Uma história em uma sala de aula de anatomia onde os alunos de medicina estão perplexos em seu primeiro dia de aula diante dos corpos nus que dissecarão. Quem estava morto: os corpos a serem dissecados ou os alunos que os dissecariam? Em alguns aspectos, ambos.
Os cadáveres fecharam seus olhos para a vida e os alunos silenciaram sua capacidade de questionar os mistérios que norteiam a existência. Não questionavam a identidade e a história daqueles anônimos. Estavam igualmente mortos nesse aspecto.
Felizmente um aluno, Marco Pólo, ficou inquieto, perturbado, com o ambiente. O ilustre professor, chefe do departamento, estava dando uma aula brilhante sobre técnicas de dissecação de músculos, artérias e nervos. Sem conseguir se conter, Marco Pólo levantou uma das mãos para fazer uma pergunta. Mas o professor-doutor não gostava de ser interrompido durante a sua exposição. Insatisfeito, abriu uma exceção. Com arrogância, pediu para o aluno falar.
Marco Pólo fez uma pergunta fatal: Qual o nome das pessoas que nós vamos dissecar? " O professor se incomodou com a questão. Respondeu mal-humorado, afirmando que as pessoas que estavam na sala de anatomia não tinham nomes.
Angustiado, o aluno novamente questionou: " Mas, professor, esses seres humanos não tiveram história, não sonharam, não amaram e nem choraram? " Irritado, o professor disse que eram mendigos achados por aí, psicóticos sem família, sem nada.
O aluno retrucou seu professor dizendo: " Como vou dissecar seus músculos, nervos e vasos sanguíneos sem conhecer os capítulos básicos do seu passado? " O professor rechaçou a petulância de Marco Pólo na frente dos colegas.
Debochando dele, o professor, disse rispidamente: " Olha aqui, garoto, se você quer ser um policial que investiga a vida das pessoas, escolheu a profissão errada! " Todos os colegas zombaram de Marco Pólo. Humilhado, ele começou a entender que quem pensa diferente tem de pagar um preço. Esse seria o seu grande desafio como estudante de medicina e futuro psiquiatra.
Além de debochar de Marco Pólo, o professor fez um desafio: " Se você duvida de mim, vá à sala central e veja se esses corpos têm história. E se achar alguma interessante, teremos prazer em ouvi-la."
Mais uma vez os colegas de Marco Pólo não se aguentaram. Riram do aluno que acreditava que por trás de um corpo de um miserável havia um mundo a ser descoberto. Para os alunos e professores de anatomia, os cadáveres eram apenas corpos, sem vida, sem identidade, sem passado.
Mortos Vivos
Diminuído, saiu da sala de anatomia. Mas em vez de enfiar a cara no sentimento de vergonha e humilhação, Marco Pólo foi a luta. Aceitou o desafio. Usou seus caos como oportunidade criativa.
Mas a luta se mostrou árdua, difícil, espinhosa, perigosa. Não conseguia encontrar nenhuma informação sobre os homens e as mulheres que seriam dissecados. Depois de muita insistência, quase desistindo, encontrou na praça central um mendigo chamado Falcão, um doente mental fascinante e inteligentíssimo.
O mendigo já fora um brilhante professor de filosofia. Mas foi mutilado por uma psicose. Dos patamares mais altos da glória passou pelos vales mais profundos da rejeição, do desprezo, do escárnio e do vexame. Foi excluído pela sua universidade, pela família e pelos amigos. Saiu sem rumo, sem direção, sem bens, deixando para trás um passado despedaçado.
Tornou-se um mendigo. E como mendigo o filósofo da universidade se tornou um filósofo das ruas, mais sábio, instigante, lúcido, provocativo e crítico social.
O maior desafio de Marco Pólo era conquistá-lo. Durante a construção da inusitada amizade, o mendigo encantou o estudante e revelou-lhe um mundo fascinante. Tornaram-se uma dupla de arruaceiros.
Tempos depois, chegou o grande dia. Falcão foi levado inesperadamente à sala de anatomia. Todos ficaram chocados com a presença do moribundo, que cheirava mal e cujas vestes eram rotas e rasgadas. O professor preparou-se para expulsar o aluno e o intruso. Mas, subitamente, um espetáculo de humanismo e inteligência iniciou.
O mendigo começou a revelar a identidade dos cadáveres. Todos ficaram perplexos. Tinham histórias riquíssimas capazes de nos levar às lágrimas. De repente, o mendigo revelou a identidade do último dos corpos. O professor ficou rubro, embargou sua voz, ficou ofegante e, sem que ninguém entendesse, caiu em prantos. O último cadáver era alguém muito íntimo e querido dele, mas que há anos não via.
Atônito, percebeu o erro gravíssimo que cometeu. Era um professor respeitadíssimo, formado na universidade de Harvard, sabia dissecar corpos, mas não sabia penetrar nas entranhas da alma humana, nem na sua nem na de seus amigos e filhos.
Extraído
Mortos Vivos
Diminuído, saiu da sala de anatomia. Mas em vez de enfiar a cara no sentimento de vergonha e humilhação, Marco Pólo foi a luta. Aceitou o desafio. Usou seus caos como oportunidade criativa.
Mas a luta se mostrou árdua, difícil, espinhosa, perigosa. Não conseguia encontrar nenhuma informação sobre os homens e as mulheres que seriam dissecados. Depois de muita insistência, quase desistindo, encontrou na praça central um mendigo chamado Falcão, um doente mental fascinante e inteligentíssimo.
O mendigo já fora um brilhante professor de filosofia. Mas foi mutilado por uma psicose. Dos patamares mais altos da glória passou pelos vales mais profundos da rejeição, do desprezo, do escárnio e do vexame. Foi excluído pela sua universidade, pela família e pelos amigos. Saiu sem rumo, sem direção, sem bens, deixando para trás um passado despedaçado.
Tornou-se um mendigo. E como mendigo o filósofo da universidade se tornou um filósofo das ruas, mais sábio, instigante, lúcido, provocativo e crítico social.
O maior desafio de Marco Pólo era conquistá-lo. Durante a construção da inusitada amizade, o mendigo encantou o estudante e revelou-lhe um mundo fascinante. Tornaram-se uma dupla de arruaceiros.
Tempos depois, chegou o grande dia. Falcão foi levado inesperadamente à sala de anatomia. Todos ficaram chocados com a presença do moribundo, que cheirava mal e cujas vestes eram rotas e rasgadas. O professor preparou-se para expulsar o aluno e o intruso. Mas, subitamente, um espetáculo de humanismo e inteligência iniciou.
O mendigo começou a revelar a identidade dos cadáveres. Todos ficaram perplexos. Tinham histórias riquíssimas capazes de nos levar às lágrimas. De repente, o mendigo revelou a identidade do último dos corpos. O professor ficou rubro, embargou sua voz, ficou ofegante e, sem que ninguém entendesse, caiu em prantos. O último cadáver era alguém muito íntimo e querido dele, mas que há anos não via.
Atônito, percebeu o erro gravíssimo que cometeu. Era um professor respeitadíssimo, formado na universidade de Harvard, sabia dissecar corpos, mas não sabia penetrar nas entranhas da alma humana, nem na sua nem na de seus amigos e filhos.
Extraído
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